sábado, 3 de março de 2012

Tacacá no Pará, uma saborosa tradição no fim de tarde !!


Tacacazeiras dão sabor às ruas


e mantém tradição




“Panela era o que não faltava na minha casa. Uma vez, quando uma dessas bem grandes estava no chão, eu corri para me esconder lá dentro. Tinham tirado o tucupi há algumas horas, mas ainda tinha aquele cheiro forte, que me sufocou. Até hoje, quando sinto o mesmo cheiro, lembro da sensação de desejo que experimentei criança”. A descrição é de Carmelita Vilela, dona de uma barraca no bairro do Bengui, em Belém.


Aos 32 anos, ela já fala com a destreza de quem tem experiência na função. “Assumi a barraca aos 16 anos, quando a minha mãe ficou doente. No começo tive que enfrentar muito preconceito, porque os clientes são fiéis à tacacazeira, não necessariamente ao tacacá. Mas com o tempo fui conquistando um por um, principalmente quando decorava exatamente o jeito que eles preferiam”, explica.


Para ela, o trabalho escolhido representa mais do que o meio de sobrevivência da família, composta por ela, a irmã, dois sobrinhos e três filhos. Ser tacacazeira significa ser parte de uma cultura maior e, principalmente, manter viva a história da região. “É bom se sentir especial”, brinca.

JAMBU Spilanthes olerace. 




















Enquanto Carmelita consolida o próprio espaço, Maria Coutita da Costa já colhe os frutos de mais de 30 anos de comercialização, sempre no mesmo endereço, a poucos metros da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, onde o barulho dos periquitos e das mangas caindo faz charme no local. Natural do município de Mocajuba, ela começou a vender tacacá quando veio a Belém, após os ensinamentos da tia. “Na época a gente ralava mandioca na mão, corria do rapa. Tirar o tucupi era difícil, pois contava com poucas pessoas”. Como os filhos eram pequenos, só ela e o marido eram responsáveis por todo o processo.



Agora, aos 70 anos de idade, ela mantém os olhos atentos no funcionamento do empreendimento, mas já deixa os filhos assumirem parte das funções, que têm como princípio valorizar sempre os clientes fiéis e amigos, sem deixar de inovar. “Criamos um prato especialmente para os turistas, que é a ‘varuçoba’, mistura de vatapá, maniçoba e tacacá. Além disso, aqui pimenta e sal são colocados à parte, de acordo com o pedido, porque existe o cuidado com clientes hipertensos”, explica.

Goma do Tacacá, é um mingau bem grosso sem leite, feito do "polvilho"

E se o endereço oficial é longe dali, exatamente no bairro da Terra Firme, ela diz que aquele perímetro é seu verdadeiro lar. “Abrimos todos os dias, desde o início da tarde. Passamos mais tempo aqui do que em casa”.

Associação

Com 28 membros, a Associação das Tacacazeiras e Comidas Típicas de Belém tem contribuído para desenvolver as técnicas de preparo e adaptar os espaços às exigências municipais. “Trocamos barracas de madeira por estruturas de inox. Explicamos a importância da higiene, de trazer tudo pronto de casa e evitar lavagens na rua. Quando uma pessoa começa a se adequar, isso influencia também outras tacacazeiras, e assim a gente vai melhorando o atendimento”, garante a presidente da organização, Ivanete Costa. Assim, aos poucos, ela pretende realizar seu maior sonho: manter a tradição. “Tudo que é feito com amor dá certo. Não penso em trocar de emprego. Quero apenas valorizar minha profissão”.



































Fique de olho
- As cuias devem estar em número certo para a quantidade de clientes, para que não sejam lavadas no local;
- Comidas devem ser preparadas em casa e mantidas em altas temperaturas;
- A reutilização de sobras é proibida;
- O dinheiro não pode ser manuseado pela mesma pessoa que pega o alimento;



Para eles, prato é ritual indispensável
A gaúcha Vera Mogilka, no texto “O Tacacá”, já escreveu: “É preciso que seja ao anoitecer. Ainda não de todo
noite completa; ainda não dia findo. Àquela hora semi-crepuscular, indecisa e feminina quando, por fim, o céu se envolve de um azul-cinzento intenso ou aquela chuva antes da saída da lua”. E é justamente neste exato momento do dia que as tacacazeiras recebem a maioria dos seus clientes.
Uma delas é a técnica em enfermagem Iara Cecim. Todos os dias, antes de começar o plantão noturno, ela se senta num dos banquinhos de Dona Josefa e saboreia o seu elixir. “Virou questão de rotina mesmo. Se não tomar é como se faltasse algo, afeta até o meu humor”, diz. Por mês, ela gasta aproximadamente R$ 120 só com tacacá, sem contar as idas com a filha e o marido. Mas ela não se importa e garante: vale a pena. “Cada um sabe o que lhe faz bem e eu só vivo com o meu tacacá”, brinca. Sem conseguir descrever com palavras, ela pede que os outros simplesmente se deixem encantar pelo prazer de tomar tacacá.
Na mesma hora, só que do outro lado da cidade, no bairro da Cremação, o professor Wlaber Ramos vai ao restaurante É Pará. É lá que, pelo menos três vezes na semana, ele toma seu tacacá. “Tomo para revigorar, principalmente no final da tarde, depois de vir cansado do trabalho”, conta. Inaugurado recentemente bem ao lado da escola onde é professor de Matemática, o local rapidamente conquistou Walber, porque mantém exatamente a fórmula que ele considera essencial no prato: tradição e qualidade. “Temos que sentir os ingredientes bem preparados, novos e com sabor. É uma cozinha exótica e muito peculiar. Só provando para entender”, comenta.
E foi justamente assim que aconteceu com Flávio Boução. Carioca de nascimento, ele veio, parou e ficou no Pará. Aqui, um dos pontos que mais amor conquistou do empresário foi a mistura de sabores das comidas regionais, em especial o tacacá. Todas as segundas-feiras ele vai ao Tacacá do Renato, um dos mais famosos de Belém, para degustar do prato. E não importa se faz chuva ou sol, se é segunda-feira ou feriado. “Qualquer dia é bom para o tacacá. A vontade é constante, mas fica ainda maior se no dia anterior a gente tomou algumas cervejas a mais. Cura qualquer ressaca e indisposição”, brinca. Para ele o ideal é que venha pouca goma, camarões grandes e muita, mas muita, pimenta. Quando alguém de fora hesita em se arriscar no mundo desconhecido da culinária local, ele é enfático. “Não pode ter preconceito. Tem que provar. Todos da minha família e amigos que vieram provaram e nunca se arrependeram”, garante. (Diário do Pará)


Fonte: Diário do Pará

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